Por Jonas Badermann de Lemos
O hospital compõe-se de um edifício que abriga uma variedade de funções, sendo considerado o espaço mais dinâmico da sociedade contemporânea. Administrá-lo constitui um grande desafio, considerando os inúmeros serviços e a diversidade de funções que são exercidas em seu interior. Nesse edifício, encontram-se conjugados desde hotel, laboratório, lavanderia, farmácia até restaurante. Nele, deve-se praticar uma gestão administrativa qualificada e a assistência deve respeitar protocolos rigorosos; os padrões de relacionamento interpessoal são diferenciados, a educação continuada ocorre cotidianamente. Ali, encontra-se uma complexidade de tratamentos e uma complexidade de pacientes, cada qual com sua patologia específica, dirigindo-se ao hospital em busca de saúde, seja para a manter ou para a recuperar. Além disso, os que frequentam o hospital, desde pacientes até os que trabalham ali, apresentam uma diversidade de formação e de nível de instrução, como por exemplo, médicos, enfermeiros, administradores, fornecedores, farmacêuticos, auxiliares gerais, técnicos de manutenção etc., o que dificulta o estabelecimento de perspectivas profissionais. Por último, e nem por isso de menor importância, o hospital lida com temas críticos humanos, entre eles, saúde, doença, morte, nascimento, medo, crenças, em suma, lida com o psicológico e o subjetivo, justamente com os aspectos que demandam autocontrole emocional.
Nos últimos anos, os hospitais sentiram a necessidade de se adequarem ao novo perfil do usuário. Ele tornou-se mais exigente e com expectativas igualmente mais definidas como resultado da evolução tecnológica acelerada, do melhor nível instrucional e do maior acesso à informação. A relação entre prestadores de saúde e pacientes reflete essa nova realidade na medida em que é pressuposta maior qualidade na prestação dos serviços. Soma-se a isso o fato de o número de pacientes que dispõem de planos de saúde ter aumentado nos últimos anos, o que obrigou os hospitais a se reformularem e ampliarem seus espaços.
Esse processo de mudança e atualização está estampado de forma clara nas normas brasileiras, perceptível, entre outros aspectos, na evolução da complexidade dos hospitais. Ao acompanharmos os Serviços de Apoio ao Diagnóstico e Terapia que atende pacientes externos e internos, por exemplo, verificamos um crescimento espantoso. A Portaria 400, de 6 de dezembro de 1977, no capítulo 5, que trata da Unidade de Serviços Complementares de Diagnóstico e Tratamento, concebe poucas unidades comparativamente ao mesmo grupo na atual norma em vigência, evidenciando a pouca tecnologia empregada há quatro décadas. No caso dos exames de imagens, o aparelho de RX espelhava toda a tecnologia empregada na época.
As unidades descritas eram as seguintes:
Unidade de Fisioterapia;
Unidade para Hemoterapia;
Unidade de Patologia Clínica;
Unidade de Anatomia Patológica;
Unidade de Radiologia Clínica;
Unidade de Eletrocardiografia e
Dispensário para Medicamentos.
Observa-se igualmente nessa norma de 1977 a ênfase na área total construída de um mínimo de 45 m²/leito para hospitais gerais de até 150 leitos. Hoje, deve se considerar duas ou mesmo três vezes essa área. Especificamente para a Unidade de Apoio ao Diagnóstico e Tratamento, a recomendação era de 12 m²/leito. Atualmente, a área destinada aos serviços desse grupo não guarda relação de proporcionalidade com o número de leitos, e sim com o perfil assistencial, expandindo-se ao perfil comercial da organização de saúde, ultrapassando, em muitos casos, aquela área recomendada na norma de 1977 e que condicionava o partido arquitetônico.
Em 11 de novembro de 1994, foi publicada a Portaria 1884, que incluiu muitos outros serviços naquele grande grupo dos Serviços de Apoio ao Diagnóstico e Terapia. Ficava assim comprovado o avanço tecnológico e o consequente espaço aberto à sua incorporação nos hospitais. Além das unidades acima descritas, foi criada a Unidade de Imagenologia, que passou a incorporar os exames de ultrassonografia, de ressonância magnética e de exames radiológicos através dos resultados de estudos fluoroscópicos ou radiográficos. São eles obtidos por meio da radiologia cardiovascular ou por meio da tomografia. Incluiu-se, em relação aos exames de traçados gráficos, os exames de ecocardiograma, ergometria, fonocardiograma, eletroencefalograma etc. As atividades de Medicina Nuclear, Radioterapia, Quimioterapia e Diálise também foram incorporadas. Outro aspecto considerado na Portaria 1884 que comprova o avanço tecnológico foi o de agrupar o programa do Centro Cirúrgico junto aos Serviços de Apoio ao Diagnóstico e Terapia. A evolução das técnicas cirúrgicas fez surgir o conceito de cirurgia ambulatorial, cujos pacientes ficam em observação de 12 a 24 horas e não necessitam de internação. Assim, o tratamento ambulatorial foi ampliado com o suporte das diversas equipes do hospital e houve, por conseguinte, a incorporação de outras áreas da medicina, originando o conceito de Hospital-dia. Os hospitais, então, passaram a receber progressivamente pacientes que não internam, os chamados pacientes externos, de permanência curta, no máximo 24 horas, e que recebem cuidados semelhantes aos dos internados ao realizarem procedimentos diagnósticos, terapêuticos e infusões.
A Resolução RDC n°50 de 21 de fevereiro de 2002, que substituiu a Portaria 1884, avançou pouco no que se refere às novas tecnologias. Nela, vale destacar a incorporação do programa de oxigenoterapia hiperbárica. Atualmente, ao confrontarmos a norma brasileira com as técnicas assistenciais praticadas nos hospitais e a utilização de novas tecnologias, percebemos um desajuste e uma necessidade de modernização. A norma não corresponde a inúmeros processos praticados e, à vista disso, conduz obrigatoriamente a uma prática de planejamento normativo desatualizada. Nesse momento em que se discute a revisão da RDC 50, cabe a reflexão a respeito de seu caráter. Que instrumento normativo deverá se estabelecer? Aquele que dá margem a adaptações e transformações cotidianas ou aquele que determina atividades, programas, áreas e dimensões, anulando a correlação arquitetônica com os novos processos? Aquele que corresponde ao planejamento estratégico e é flexível ou aquele que corresponde ao planejamento normativo com regras inflexíveis e que impede os avanços? Não se pode esquecer que o programa de necessidades sofre constantes alterações e que os processos são constantemente avaliados. Na busca da qualidade total, a arquitetura e as instalações em geral são rapidamente modificadas. A complexidade do aspecto funcional dos hospitais exige a prática de planejamento estratégico esteado pela permanente discussão e análise, cujo foco é a valorização do paciente e dos processos assistenciais. Observa-se, dessa maneira, que o exercício da arquitetura hospitalar pressupõe um preparo profissional que extrapole a simples composição formal e programática de um edifício, exigindo do arquiteto um conhecimento específico, abrangente, circunstanciado e atualizado.
A incorporação tecnológica à área da saúde, tendo em vista a perspectiva coletiva e as implicações médicas, econômicas, sociais e éticas, possui grande valor transformador para os hospitais e provoca uma ruptura no modelo médico-hospitalar tradicional (SILVA, 2011). Atuar no âmbito da saúde deixou de ser manual-artesanal para fazer uso da tecnologia à disposição, remodelando, assim, a configuração do fazer saúde em suas várias ligações profissionais que se intercruzam no meio hospitalar. Consequentemente, o edifício deve adaptar-se aos novos processos. São necessárias constantes reformulações e ampliações que correspondam às evoluções tecnológicas e humanas. Os prédios devem ser progressivamente ajustados às estratégias da instituição, à facilidade dos processos assistenciais, aos custos operacionais, às facilidades de manutenção, ao consumo de água e à eficiência energética. A arquitetura, em vista disso, ganha outro enfoque e participa decisivamente do processo de recuperação dos pacientes, correspondendo aos atuais resultados dos estudos da Arquitetura Baseada em Evidências (Evidence Based Design), a qual ratifica o impacto positivo em pacientes e funcionários de elementos como a ventilação natural, a incidência de luz natural nos espaços interiores, as vistas às áreas externas e as distrações positivas. Por distrações positivas entendem-se aquelas ações promovidas pelos hospitais que provocam sensações positivas nos pacientes, desviando a atenção de seus aspectos físico-emocionais por meio de, por exemplo, música, exposições de arte, teatro, convívio social e com animais de estimação etc.
Os hospitais, paulatinamente, transformam-se em centros de alta tecnologia, capazes de desempenhar funções pendulares, ou seja, de um lado as funções que mantêm as pessoas saudáveis, por meio de exames diagnósticos e tratamentos de prevenção e, de outro, as de assistir pacientes em estado crítico que necessitam das mais avançadas tecnologias para sobreviver. Ao mesmo tempo, os hospitais devem estar integrados à rede de saúde de uma localidade, região e país, comportando-se como centros de referência norteados por estratégias de qualidade total e praticando atividades permanentes de investigação, avaliação de processos e de retroalimentação.
A atual gestão hospitalar tem algumas características diferentes daquelas do passado, uma vez que os hospitais, hoje, são concebidos como empresas prestadoras de serviços de saúde em disposição permanente para atender a todas as expectativas e demandas de um cliente - o paciente - e preparadas para operar em um mundo de competência e qualidade (MALAGÓN-LONDOÑO, 2000). Essa competência deve ser estabelecida sobre os seguintes pilares: planejamento, organização, satisfação do trabalhador, orçamento, avaliação de gestão, disponibilidade de retroalimentação e ética.
O planejamento estratégico, assim, adquire importância relevante: consiste num processo de elaboração e execução de estratégias organizacionais para buscar a inserção da organização e de sua missão no ambiente em que atua. Ele assume papel determinante, pois representa um curso de ação escolhido pela organização a partir da premissa de que uma futura e diferente posição poderá oferecer ganhos e vantagens em relação à situação presente. Mudar é uma questão de sobrevivência para as organizações. É o processo de planejamento estratégico que vai conduzi-las ao desenvolvimento e formulação de ações que assegurem sua evolução continuada e sustentável (CHIAVENATO; SAPIRO, 2010).
Ao se iniciar o desenvolvimento de um Plano Diretor, o planejamento estratégico corresponde à primeira etapa. No primeiro momento, deve-se definir claramente a razão de existir de um hospital, pois as organizações têm uma razão de ser, um objetivo, uma missão, que é a síntese operativa de sua natureza e seus valores centrais. A razão de existir de um hospital resume-se ao seu comprometimento com a sociedade em cinco pontos: o que faz, por que faz, onde faz, para quem faz e como faz. Infelizmente, não é o que normalmente se observa nas organizações de saúde. As soluções de problemas pontuais, todavia, predominam e abarrotam o sistema com respostas inadequadas que, em muitos casos, comprometem a organização sob o ponto de vista funcional. Esta situação é frequentemente visível em relações de vínculo incorretas entre as unidades e uma organização circulatória, estabelecendo um crescimento desorganizado que não observou uma visão sistêmica de planejamento. O Plano Diretor Hospitalar, portanto, é peça indispensável no planejamento da organização e é fundamental em dois momentos: primeiro para a reorganização físico-funcional de um hospital existente e, segundo, por ocasião do desenvolvimento do projeto arquitetônico de um novo hospital.
Nesses dois momentos, o planejamento arquitetônico físico-funcional é necessário para regrar a evolução do trabalho por meio de uma metodologia que possa ser aplicada em ambas as situações.
Num hospital existente, o sistema de informação permite conhecer rapidamente conteúdos relacionados às atividades administrativas e às de assistência médica assistencial. Esses dados tornam possível identificar o ambiente epidemiológico no qual a organização se encontra e auxiliam, por conseguinte, na eventual alteração de rumo que será proposta no Plano Diretor. Será ele a definir os tipos de intervenções a serem realizadas com base na evolução da capacidade existente, no estado das instalações da infraestrutura e nas projeções de demanda dos serviços. Será o Plano Diretor o responsável pelos redimensionamentos e possíveis ampliações com as qualificações necessárias, sempre prezando a redução de riscos.
Planejamento de um Plano Diretor Hospitalar em uma organização existente Etapas e Objetivos:
Observa-se na tabela acima a introdução de um conceito internacionalmente utilizado denominado Plano Mestre Diretor Hospitalar, que corresponde à síntese de todos os aspectos necessários ao funcionamento de um hospital - não somente os arquitetônicos, mas também os organizacionais, de gestão, além dos de infraestrutura do edifício.
Ao se iniciar um projeto de um novo hospital, exige-se um cuidado maior. Para tanto, todos os dados necessários que determinarão o Plano Mestre Diretor Hospitalar devem ser previamente coletados, sistematicamente analisados e estudados. Deve-se considerar o sítio com seu entorno geográfico e ambiental, a população, a rede de atenção de saúde, a oferta de serviços locais e a demanda de serviços necessários.
Planejamento para o desenvolvimento de um Plano Diretor Hospitalar para uma nova organização Etapas e Objetivos:
O partido arquitetônico originado no Plano Mestre Diretor é determinante para a eficiência da gestão hospitalar. Recomenda-se minimizar as distâncias relativas ao deslocamento de pacientes, funcionários e abastecimento, considerando as relações funcionais e os vínculos das unidades entre si. Os hospitais crescem e mudam. Por isso, é fundamental, na escolha e conceituação do partido arquitetônico, estabelecer uma organização circulatória eficiente para os fluxos internos e pensar um sistema estrutural racional, além de reservar áreas livres para futuras ampliações. Por sistema estrutural racional, entende-se uma malha que permita que serviços possam ser alterados sem a interferência de vigas e pilares. É importante considerar uma demanda para, pelo menos, dez anos no dimensionamento do programa de necessidades e na sugestão da planta, apesar de todas as indefinições do futuro.
Atualmente, quando pensamos num hospital, não pensamos somente num grupo de médicos e enfermeiros reunidos em postos de enfermagem. Pensamos em organizações de alta complexidade que, além de recuperar as condições físicas dos pacientes, promovem ações coordenadas para manter e conservar a saúde dos indivíduos. Pensamos em centros de alta tecnologia utilizada para o diagnóstico e o tratamento de diversas patologias, onde a docência é praticada e onde a educação continuada é desenvolvida cotidianamente com os colaboradores da organização. Pensamos num lugar onde a administração assume uma relevância no gerenciamento e controle de muitas atividades concentradas e autônomas. Pensamos na infraestrutura disponibilizada para receber a alta tecnologia bem como para a instrução dos profissionais responsáveis por ela. Essa concepção faz-nos perceber que sua organização espacial não se revela tarefa simples e que implica uma multiplicidade de dados, os quais somente serão obtidos com o envolvimento dos vários profissionais especializados. O Plano Mestre Diretor, dessa forma, por não resumir unicamente conceitos arquitetônicos, mas também administrativos, assistenciais, de infraestrutura etc., e para assim corresponder às expectativas gerais dos interlocutores, deve ser pensado de maneira multidisciplinar. Consequentemente, propõe-se a composição de um grupo de trabalho com representantes dos setores gerais do hospital como, p. ex., dos serviços fins, da gestão de pacientes, da administração, do apoio técnico e logístico, e, quando for o caso, da docência e, além disso, dos consultores externos especializados.
O hospital tem a responsabilidade ética de ofertar serviços com qualidade, por isso, deverá propor estratégias de planejamento eficientes que incluem o Plano Mestre Diretor Hospitalar. Ele indicará o rumo arquitetônico que a organização percorrerá, as etapas das obras, os incrementos de infraestrutura e seus financiamentos em conformidade com as decisões políticas e gerenciais.
Um Plano Mestre Diretor Hospitalar criterioso e bem estudado garantirá ao hospital um ambiente harmônico físico e funcional.
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